A Mulher da Minha Vida


Revisito velhas fotos para reencontrar a minha avó. Vejo-a nos seus sessenta e poucos anos ainda tão activa e tão linda (a minha avó sempre foi linda) com um lenço a cobrir-lhe os cabelos. 
Os olhos da minha avó que já tinham o brilho das turquesas acendiam ainda mais com a simplicidade dos pequenos gestos, gentis, amorosos. Acendiam com as boas novas dos filhos, dos netos, os outros netos que ela também amava com aquele coração grande, oculto pelos seios fartos. Às vezes gotejavam quando me olhava triste, por qualquer adversidade da vida, e procurava no meu sorriso infantil a motivação para não cruzar os braços. 

Lembro-me de que nunca tive vergonha da minha avó. Nunca me embaraçou o seu ar provinciano, o seu lenço de camponesa, as suas mãos calejadas. Mãos nodosas, mãos ásperas, mãos terra. Nunca a desejei diferente do que era. Nunca achei mais bonitas que a minha avó, as outras avós aprumadas, elegantes, de cabelos armados a cheirar a laca. Não me importava que ela nunca tivesse lido um livro, que não soubesse ler um livro.

 A minha avó sabia contar-me histórias. Imaginava-as com requinte nos detalhes e contava-as como se fizesse um banquete. Temperadas a preceito, bem medidas de amor, de humor e surpresa, um crocodilo faminto comia ovos mexidos, uma raposa que era esperta mas não tão esperta como a garça, uma lagarta que espirrava e espantava os pardais... Histórias rendadas, como retalhos de panos floridos que as suas mãos costuravam até criar cobertas. 

Neste dia que glorificou mais uma vez a mulher, lembrei-me da minha avó, a mulher da minha vida, a mulher que afinava a voz de rouxinol e cantava nas vindimas. Canções à lua e às cearas, aos caminhos sinuosos da charneca, a minha avó afugentava o suplicio do esforço e do cansaço, das dores nas pernas, nas costas, na alma. Pedia-lhe que me ensinasse os seus mantras, as ladainhas que pediam a Nossa Senhora, milagres e alimento. 
A minha avó que amassava o pão e fazia café de borras, enfeitava-me com colares de pinhões e deixava-me dormir na mais doce alcova, o seu regaço. A minha avó não era só minha mas fazia-me sentir tão dela, uma mãe duas vezes, uma mãe tantas vezes, todas as vezes.

AK

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