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A mostrar mensagens de abril, 2019

Alteridade da Ficção

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Já faz tempo que não te escrevo.  Decidi-me a parar por uns tempos, dedicar-me a outros registos que não me obrigam a tirar as palavras das entranhas.  Elas têm estado como a minha vontade de te escrever: Quietas, como um bicho à escuta. Vai daí, eu tropeço em qualquer coisa tua e mexo-lhes. Às entranhas. É por isso que me saem agora em remoinhos de dor pela boca, às golfadas. Preciso de as serenar antes que a dor se infiltre outra vez nas minhas reentrâncias, nas reentrâncias da própria dor que se come por dentro.  Ter o que te escrever, contradiz-me, é certo. Logo eu, que me tenho alimentado a restos de silêncios e detritos de lembranças mudas, não devia recomeçar agora com este enredo de palavras gastas.  Na verdade, quero lá saber se em tempos me chegaste à curva do pescoço com beijos distraídos…ou se me soltaste letra a letra, da prisão das minudências do dia-a-dia e se eu te ansiei pelo gesto que assegurou a pertinência do amor…na verdade, depois de depositados os be

Feira do Livro de Lisboa

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Lá estarei!

A Noite Abre os Meus Olhos

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A casa onde às vezes regresso é tão distante da que deixei pela manhã no mundo a água tomou o lugar de tudo reúno baldes, estes vasos guardados mas chove sem parar há muitos anos Durmo no mar, durmo ao lado de meu pai uma viagem que se deu entre as mãos e o furor uma viagem que se deu: a noite abate-se fechada sobre o corpo Tivesse ainda tempo e entregava-te o coração José Tolentino Mendonça in A Noite Abre os Meus Olhos

Instruções para Atravessar o Deserto

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Se eu fosse a ti amava-me, telefonava, não perdia tempo, dizia-me que sim. Não hesitava mais, fugia. Dava o que tens, o que tenho, para ter o que dás, o que me darias. Soltava o cabelo, chorava de prazer, cantava descalça, dançava, punha em fevereiro um sol de agosto, morria de prazer, não punha nenhum mas a este amor, inventava nomes e verbos novos, estremecia de medo perante a dúvida de que fosse só um sonho, fugia para sempre de ti, de ali, comigo. Se eu fosse a ti amava-me. Dizia que sim, vinha a correr para os meus braços, ou pelo menos, sei lá, respondia às minhas mensagens,às minhas tentativas de saber que é feito de ti, telefonava-me, que será de nós, dava-me um sinal de vida, se eu fosse a ti.' in Instruções para Atravessar o Deserto de Juan Vicente Piqueras

O Insustentável Peso da Constatação

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Ele era o meu norte, o meu sul, o meu leste e o oeste... He was my North, my South, my East and West, My working week and my Sunday rest. My noon, my midnight, my talk, my song; I thought that love would last forever, I was wrong. Blues funerário, por wystan Hugh Auden

Magia

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É uma pena não vivermos num mundo verdadeiramente mágico, repleto daquela magia que nos aparece no cinema ou nos livros. Coisas como varinhas de condão, poções mágicas, ladaínhas que ditas entre dentes têm o poder de transformar a realidade, para termos exactamente o que desejamos.  Mas depois lembro-me dos livros. Temos os livros. E eles são, precisamente, os portadores dessa magia.Reparem que eles não vão para onde nós os levamos, nós é que vamos para onde eles nos levam. Ana Kandsmar

Tesouros

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À minha frente estão duas gavetas onde só guardo tesouros. Coisas de muito valor. Uma tem pacotinhos de supari, masala tea bags, caixas de incenso, sabonetes de açafrão e sândalo, um sari lindo, rendado, fiadas de flores de jasmim já secas e esboroadas e ainda um cd de Ravi Shankar. Um cd que quando toca, solta um som tão mágico e envolvente como só uma cítara pode ter. Um dia, eu hei-de morrer e a Índia, continuará a ser a Índia. Com ou sem dejectos e cadáveres que bóiam indiferentes ao choque dos turistas, o Ganges e o Yamuna, continuarão a ser os rios onde já molhei os meus pés. Na outra gaveta tenho postais ilustrados, fotografias que eternizaram momentos irrepetíveis, e alguns textos que fui escrevendo, inspirada pelas paisagens e pessoas que emprestam a alma àqueles lugares. Ainda hoje guardo tudo com a convicção de que se a minha casa sofresse um incêndio, seriam estes pequenos (grandes) tesouros que eu tentaria salvar a todo o custo. Quando tenho saudades da Índia, en

Libertação

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O tempo impunha-se-lhe. Pesava-lhe.  O tempo teria que ser agora ou então, nunca mais.  O tempo não seria piedoso, nunca o fora. Naquele momento, como em todos os momentos continuava a torturá-la. Sobretudo, porque o tempo era para ela como que uma massa contraída, de um fole dotado de pregas profundas e inúmeras - tinha a certeza de que mais ninguém olhava assim o tempo, como ela - e via-se obrigada, para o conseguir ultrapassar, a contar cada uma destas dobras do tempo; e no seio de todas elas ocultavam-se todas as diversas formas que a dúvida pode assumir, cada uma com as armas que lhe são próprias; e o trabalho de discutir com elas ou de as ignorar, ou de as derrubar para seguir em frente, exigia da sua parte um esforço extraordinário.  O tempo que era para ela como um abismo para onde se esquivava de olhar, mas ainda assim, olhava. E era esse relampejo fortuito o que ela mais temia: ver-se ali, outra vez, à borda do rio, de joelhos, a implorar… aquele homem, de verdasca numa

Grimório

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Como toda a gente, tem segredos que a ninguém confessa. Há um, porém, que numa espécie de superstição guarda com especial cuidado, não vá a revelação materializá-lo no presente e, a reboque, instalar no quotidiano os seus efeitos nefastos. Quando o caos se instala, e o mundo ameaça desabar, pega no carro e conduz, invariavelmente, rumo a lugares incertos com paisagem certa: o mar. Sempre o mar. Desmonta um sorriso atordoado e uma frase feita. O mar é sempre o seu capricho súbito, uma vontade que lhe vem de um pensamento ao calhas.  O rádio ligado é afinal uma companhia. A música acalma-lhe a angústia e a brisa, nos cabelos, relativiza-lhe os problemas. O sol, mesmo quando não brilha, ilumina-lhe as ideias e a humidade − vinda do oceano − refresca-lhe as emoções. Varre-a, então, um tremor ligeiro, um rumor volátil, quase como um boato nas bocas do mundo. Lembra-se de que não deixou um inconsequente e tardio bilhete suicida. Sacode os ombros e resigna-se à estupidez. “Nem um br