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A mostrar mensagens de maio, 2018

Aqui, à noite, há pirilampos

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Fomos jantar. Era verão. Ao longo da estrada vislumbrávamos vaga-lumes a enterrarem-se na folhagem das ervas altas que delimitavam o alcatrão. Contornámos a rotunda, a conversa no interior do veículo animada e casual. Ele ria-se das minhas piadas, como quem está suficientemente tranquilo e descontraído para lhes encontrar uma nuance de humor, retorquia, quase sempre começando com "well, you are a little bit crazy, you know?"  Depois dissertava de novo sobre as suas paixões, o que o movia, o que lhe dava ânimo para respirar os dias. Projectos. Tinha vários. Montes deles. Nem que fossem as viagens que ainda queria fazer e eu pensava para os meus botões: " tem 85 anos, de onde lhe vem tanta energia?" Bom, talvez a vida lhe tivesse ensinado que não basta olhar, é preciso ver, que não basta sentir ao de leve, como as brisas que nos passam a fazer cócegas na pele, é preciso estremecer, vergar aos vendavais para depois voltar a ficar de pé, enrigecer, tomar parte do cao

A Lenda do Havn - A 3 de Junho nas livrarias!

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"Num dia de chuva, daqueles que a vontade é ficar em casa, aconchegado no sofá com um bom livro entre mãos, eu comecei a leitura de A Lenda do Havn. A chuva batia pausadamente na janela e eu ouvia o barulho, sempre para mim reconfortante, da água a correr pelos algerozes dos telheiros. A casa estava um pouco fria mas não suficientemente para ligar o aquecimento central. Preferi acomodar-me da maneira mais tradicional, com uma manta de repouso. Sobre a pequena mesa onde gozam livros empilhados que aguardam a sua vez de serem lidos, pousei uma caneca de chá verde que ia debicando ainda fervente, enquanto lia as primeiras páginas. Pouco depois, pousei o manuscrito e olhei para a rua e para a chuva sem olhos de ver. A minha mente já estava longe tentando definir os cenários descritos e as características físicas dos personagens. Os primeiros capítulos surgem em estilo de narrativa, convidando, obrigando, a uma leitura lenta e pausada. São como um doce que obriga a um lo

“Anda cá, regressa ao meu útero, não te quero fora, onde cresces e me desamas”

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Podia inventar um mar de rosas do que é ser mãe, esconder as penas atrás de uma argamassa de sorrisos babados, ou então desvendar o fardo, para que todos vejam que não foi o diabo que vos carregou, fui eu. Mas às vezes, (tenho dias) que o que gostaria mesmo, era de inventar uma forma de nos conhecermos outra vez, regredirmos àquele momento em que o meu corpo se rasgou para vos dar ao mundo, e a partir daí, refazer tudo, atirar para fora do caminho que já percorremos, todos os erros, todos os dias azedos, cinzentos, dias de chuva, em que senti o vosso amor por mim a meio termo, em quarto minguante. Ver-vos crescer não é (para mim) a melhor coisa do mundo, desculpem lá. Hoje, já são maiores e vacinados, (a maioridade, deu-vos a vida, a vacinação dei-vos eu, mas infelizmente, não aquela de que precisam para ficarem imunes à maldade dos outros, à descrença, à desilusão que é sempre tanta e vem de tantos lados, improváveis e surpreendentes lados…enfim, habituem-se, porque isto de viver nã

Há Filhos orfãos de pais vivos

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Desistir de desistir. (A todas as mães que não desistem.) Tenho algumas amigas que são pais e mães de pequenas crianças ou jovens adolescentes. Uma delas, que carrega sobre os ombros o pesadíssimo e solitário mundo do “tudo eu”, pediu-me há uns dias: “Deixo-te o mote: «Há filhos orfãos de pais vivos». Sei que vai sair daí um texto com tudo o que eu gostava de escrever mas que não consigo.” Eu própria sou mãe de um jovem adulto e uma adolescente (quase, quase jovem adulta), e faço sozinha, desde há vários anos, o que posso e tantas vezes o que não posso para que eles sintam em todos os dias das suas vidas que eu estou cá para eles. Que eu não desisti deles. E isso pode ser um paradoxo, porque não desistir deles, levou-me muitas vezes a desistir de mim. Quem é que não faz a menor ideia do preço que uma mãe paga para criar os seus filhos sozinha? O pai. O pai que desistiu. O pai que não quis saber. O pai que aproveitou todas as vantagens de não ter que se preocupar com outras

Os bons, os maus livros e o preconceito com os autores portugueses

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Há umas semanas atrás tive o prazer de ler alguns bons livros. Sei que são bons, porque ainda hoje dou comigo a pensar no Rhenan, na Maria, na Freya, no Fion e na Maeve, sinto arrepios ao lembrar-me do Lochan e ponho-me a imaginar o que andarão eles a fazer por esta altura, quase não resistindo à tentação de abrir de novo o “Yggdrasil”, só para me certificar de que eles não andam lá por dentro a fazer muita bagunça. A mesma sensação apanha-me quando passo pela estante e deito o olho ao “Dia Em Que Nasci”. O livro é pequeno, lê-se de uma acentada, mas é como um pastel de nata ou um daqueles “mil folhas” em miniatura: Delicioso. O Tomé, a Alice e a Ana ficaram-me para sempre numa das minhas gavetas de memórias (sim, as mulheres também têm gavetas, e eu tenho pelo menos uma só para as memórias literárias). Perguntem-me se não me emocionei quando a Maria entrou pela primeira vez no quarto do Rhenan ou se não me indignei por causa das correntes que o pai do Tomé usava para

As voltas que tu deste ao coração da mãe, pá!

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O Lucas não é meu filho, mas é como se fosse. Na verdade, o Lucas nem sequer é um ser humano. É um cão. Encontrei-o num apelo de uma associação protectora de animais e a foto exposta nas redes sociais mostrava um animal triste, solitário e carente.  O meu coração foi tocado. E eu soube que tinha que fazer alguma coisa. Mais, soube que o Lucas andava à minha procura, ou eu à procura dele, embora naquela altura, nem me passasse pela cabeça ter um cão em casa. Mas apaixonei-me. Fazer o quê? Quando dei por mim, já estava a ligar para a tal associação, não para dizer que queria ver o Lucas, mas que queria ficar com o Lucas.  Não podia deixá-lo no canil por mais um dia que fosse e no imediato, lá fui eu buscá-lo.  Foi uma das melhores decisões que alguma vez tomei.  Hoje, o Lucas já está há dois anos comigo e a minha vida nunca mais foi a mesma.  Deu um salto qualitativo e quantitativo também, se quisermos mencionar a dose de amor que recebo todos os dias.  O Lucas faz-me rir quando tenh

"Travessia no Deserto"

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Há tempos que não me sai uma letra. Volta e meia sinto as palavras à beira do vómito, a saltar cá para fora, sujando-me as folhas com a impiedosa dose de saudade avinagrada. Volta e meia lembro-me do que me era a vida antes de ti, da vida durante e enlouqueço a pensar na depois.  Em que momento é que as coisas mudaram? Qual foi o momento exacto em que entrei neste vórtice destrutivo que parece empurrar-me para um buraco negro sugando-me todas as coisas boas que ainda me restam? Pois eu vou contar-te: Tenho dias em que te sinto a falta, e toda eu me sinto em perigo. O coração pula-me no peito enquanto me pergunto onde andarás. Será que te sentes só? Eu sinto-me tão só como quando nos afundávamos no nosso silêncio e nos ignorávamos mutuamente. Esse era o durante. Sempre fértil em silêncios infelizes, mas no durante, a tristeza desses silêncios fazia-me feliz porque te sabia ali. Estavas comigo mesmo não estando e a tua ausência acompanhava-me.  Nunca te disse que o durante f

Duas coisas que ninguém nos obriga a ser: Hipócritas e Bestas

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Lembro-me de ter visto na televisão um programa em que uma gralha, equilibrada no braço de um semáforo que atravessava a via rápida, num momento calculado, deixa cair no asfalto uma noz que tem no bico e vê-a ser esmagada pelo pneu de um carro que passa. Depois, num ruminar estratégico digno de um Júlio César às portas da Gália, a gralha espera que o sinal fique vermelho e mergulha em voo picado para o chão, recolhendo apressadamente os bocados esmagados da noz. Recordo-me de uma outra que, em cativeiro olha com olhos de ver um tubo de vidro estreito em cujo interior é colocado um cesto pequenino com comida. O cesto tem asa e tudo. Em cima do tubo, na horizontal, está um arame fino e direito com cerca de vinte centímetros. A gralha olha para aquilo e pensa, imagina, coloca hipóteses… Primeiro, pega no arame com o bico e introdu-lo certeiro no tubo, mas não consegue sacar o cesto. Tira o arame, pensa mais um bocadinho, voa com ele no bico até ao poleiro, preso a uma parede com fi

Leva-se muito tempo a ser-se jovem

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Já Picasso dizia: “ Leva-se muito tempo a ser-se jovem”. Acredito que ele se referia ao tempo que se perde com “coisinhas”, insignificâncias que nos nossos 20 anos têm uma dimensão titânica. O vento que despenteou, a roupa que não combina, a unha que se partiu, o rímel que esborratou… Entre os 15 e os 30 (os nossos anos dourados), tudo é motivo para decepção e lágrimas. O fim do mundo vem com o fim de um namoro, de uma festa. O fim do mundo vem com a meia que rompeu, a má nota na escola, uma “tampa” de alguém que nos cativou. Então vem a vida com a sua bagagem cheia de experiência e diz-nos que as pequenas desgraças do dia-a-dia não passam disso mesmo: pequenas desgraças. Coisinhas tolas e sem importância. E então aprendemos que o melhor de estar vivo é rirmos de nós mesmos e morrermos de amor. Por um filme, um livro, um perfume, uma pessoa…muitas pessoas, muitos perfumes, muitos livros, muitos filmes. Como diz Carlos Drumond de Andrade : “...ponha a saia mais leve, aquel

" Vista Cansada"

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"Acho que foi o Hemingway quem disse que olhava cada coisa à sua volta como se a visse pela última vez. Pela última ou pela primeira vez? Pela primeira vez foi outro escritor quem disse. Essa ideia de olhar pela última vez tem algo de deprimente. Olhar de despedida, de quem não crê que a vida continua. Não admira que o Hemingway tenha acabado como acabou. Se eu morrer, morre comigo um certo modo de ver, disse o poeta. Um poeta é só isto: um certo modo de ver. O diabo é que, de tanto ver, banalizamos o olhar. Vemos não-vendo. Experimenta ver pela primeira vez o que vês todo dia, sem ver. Parece fácil, mas não é. O que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade. O campo visual da nossa rotina é como um vazio. Sais todos os dias, por exemplo, pela mesma porta. Se alguém te perguntar o que é que vês no teu caminho, tu não sabes. De tanto veres, tu não vês. Sei de um profissional que passou 32 anos a fio pelo mesmo hall do prédio do seu escritório. Lá estava sempre

A Guerra dos “Cromos”

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Volta e meia, quando o tema do momento calha a carregar na tecla dos movimentos LGBTQGTDVJKOHCDSRGKHFDTGJHJ&#$%(/)*# (ufa!), escrevo o que penso sobre o assunto e publico o que escrevo no blog ou no Facebook. Não me parece má ideia fazê-lo tendo em conta que ainda vivemos num estado democrático que privilegia a liberdade de expressão… Ups…! Desculpem. Começo mal. Tendo em conta o cerco cada vez mais apertado do politicamente correcto, palavras como “estado democrático” e “liberdade de expressão”, são hoje palavras desprovidas de qualquer sentido e mesmo assim convêm ao escrevê-las, colocá-las entre aspas. Fazendo uma retrospectiva da coisa, relembro a última marcha pelo Orgulho Gay pautada por vários momentos de intrigante “volte face”, se a compararmos com a forma como decorriam as marchas gay nos primórdios do tal “Orgulho”. Pelo que leio e ouço, estas manifestações do brio homossexual em espaço público, começaram exactamente para contrariar a perseguição e desprezo que

“Luvas”, “Avental” e a gamba? Quanto é o quilo?

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António Costa, José Sócrates, Vieira da Silva, Capoulas Santos, Carlos Zorrinho, Isaltino Morais e muitos, muitos outros, tudo gente ligada à maçonaria. A política portuguesa é um caldinho de influências e de trocas de favorzinhos, seja coisa de centenas ou de milhões. E isso vem do povo, que os políticos não caem do céu aos trambolhões, saem daqui do âmago das nossas gentes e se têm maus genes é porque esta coisa de passar “luvas” pela “porta do cavalo” é uma coisa muito tuga. (Ok, também muito humana). Somos a malta do desenrasca aí, dá uma mãozinha acolá, coloca o meu filho além, toma dinheiro aqui. Um país nepotista onde amigalhaços nomeiam e promovem família e outros amigalhaços, e se cultiva a mediocridade. Sucede que para isto o avental não é fundamental, que esta tendência para o tráfico de influências ocorre em todas as cores politicas fora e dentro das lojas, com ou sem avental. Não há negociata imoral feita por um grupo de tipos que fizeram meia dúzia de juramentos através d