Mensagens

A mostrar mensagens de abril, 2020

Dia Mundial do Livro

Imagem
Dia Mundial do Livro Por: Ana Kandsmar  No tempo em que não havia internet, muito menos redes sociais, tínhamos livros. E os livros eram as únicas portas que se abriam para outros mundos, às vezes, para mundos tão diferentes do nosso, mundos distópicos, fantásticos, românticos, floridos, dramáticos, épicos, terríficos, toda a sorte de mundos. E às vezes, os livros eram as únicas portas que se abriam para o nosso mundo, para as histórias autênticas, de uma semi-ficção que enleava a realidade com a imaginação do autor.  Foi o que fiz nos livros que escrevi neste tempo em que a internet existe,em que há mais portas para o mundo e para outros mundos e os livros são menos lidos. A crise da pandemia também afectou os livros. Afectou o mercado livreiro, afectou os autores, as editoras, as livrarias, os paginadores, os revisores, os ilustradores e todos quantos fazem parte desta industria.  Que consigamos curar esta doença que nos atinge a todos de tantas maneiras e que, continuan

A pele de uma mulher que escreve

Imagem
"Pergunto-me até, se sabes que numa casa vazia são berros todos os murmúrios, como numa folha em branco são versos todas as palavras.  E os primeiros raios são tremores da noite a morrer, mas é na luz do dia que esmorecem as labaredas. As labaredas vivas na noite.  Pergunto-me se sabes que são as manhãs que devoram as sombras e paralisam os fantasmas. Ficam parados nas auroras como estátuas de sal, bichos petrificados à escuta mortificando quem os sentiu a trespassar o corpo e o escuro, como uma espada de aço, fria, fria. E eu penso e sonho e imagino coisas que nem a mim conto. E sinto as minhas mãos desgovernadas a tatearem a luz e o meu corpo, como se acariciassem as crinas de um cavalo, a fímbria espumosa de uma onda, a finíssima pele da água parada no fundo de um poço.  O desejo, o lobo, o medo irrompendo na pele onde as minhas mãos se detêm sem pressas: tocando, mexendo, imaginando coisas. Sou então a mulher que rasga loucuras nos versos.  Nas noites e nas manhãs.

Ana de Goa

Imagem
Deitei os miúdos. Vesti o sari branco que a tia Amália me ofereceu. Enchi os braços de pulseiras de vidro. Prendi o cabelo com grampos. Pintei os olhos carregados de preto. Colei um bindi brilhante entre as sobrancelhas. Olhei-me no espelho. Achei-me bonita, simplesmente bonita. Abri um garrafa de vinho. Fui fumar para o estendal. Ana Cássia Rebelo

Na fila para o pão...

Imagem
"Como posso convencer a minha mulher de que, enquanto olho pela janela, estou a trabalhar? — perguntava-se Joseph Conrad no início do século passado. Eu, em vez disso, pergunto-me: como posso explicar à minha filha que, quando olho pela janela, vejo o fim de uma era? A era em que ela nasceu, mas que não conhecerá, a era do mais longo e distraído período de paz e prosperidade desfrutado na história da Humanidade. Vivo em Milão, até ontem a mais evoluída, rica e brilhante cidade de Itália, uma das mais desejadas do mundo. A cidade da moda, do design, da Expo. A cidade do aperitivo, que deu ao mundo o Negroni Sbagliato e a happy hour e que hoje é a capital mundial do Covid-19, a capital da região que, sozinha, soma trinta mil contágios confirmados e três mil mortos. Uma taxa de mortalidade de 10 por cento, os caixões empilhados à frente dos pavilhões dos hospitais, uma pestilência vaporosa que paira sobre as torres da sua catedral como sobre as cidades amaldiçoadas das antigas

Voltaremos...

Imagem
Voltará a ser nossa a ladeira para o monte Voltará a ser nosso o vento que nos agarra os cabelos e os revolve, voltarão a ser nossos os sorrisos e os beijos, os nomes a ecoar pelas ruas, o amigo que chama, os abraços sentidos, os risos voltarão a fazer eco, as nossas pernas estendidas sobre a relva, tudo voltará a ser nosso neste tempo que ainda temos, no tempo que se faz presente, no hoje. E as crianças, que ainda são nossas, voltarão a ser o amanhã. Ana Kandsmar Foto: Mariana Borges

Bazar de la Charité

Imagem
Uma excelente série que vos sugiro que vejam. Baseada na história verídica do Bazar de la Charité, um evento organizado anualmente pela aristocracia católica francesa. Fundado em 1885 por Harry Blount e presidido pelo barão Armand de Mackau, o bazar tinha como objetivo a venda de lingeries, bijuterias e diversos outros itens em benefício dos pobres.  Com sede em Paris, foi destruído por um grave incêndio em 4 de maio de 1897, causando 129 mortes - a maioria das quais eram mulheres da alta sociedade parisiense. Entre os mortos, nota-se uma grande maioria de mulheres - quase todas nativas da aristocracia - e um pequeno número de homens. A jornalista feminista Séverine publicou um artigo intitulado "Qu'ont fait les hommes?" ("Que fizeram os homens?") na primeira página do L'Écho de Paris de 14 de maio de 1897 e no Le Journal, abordando a fuga dos homens durante o desastre: "Entre esses homens (cerca de duzentos), pode-se citar dois que foram admi

No principio eram os números

Imagem
" No princípio era o Verbo. Mentira. Deus não tinha começado por escrever frases, isso teria Ele deixado para mais tarde, para os homens, para os escritores, para os poetas. Deus começara por fazer contas, tinha a certeza, pois a criação só podia existir obedecendo às complexas regras da matemática." Ana Kandsmar in Somos Imortais, mas Temos que Morrer Primeiro

Iluminem-se!

Imagem
Na nossa incursão pela sétima arte, eu e o Rafa descobrimos ontem mais um bom filme, Operação Final, que relata com fiel precisão os acontecimentos à data da captura do ex -oficial das SS, Adolf Eichmann, levada a cabo pela Mossad em 1960. Depois do filme, falámos sobre ele. Eu sou mais de paixões, o Rafa muito mais racional e, por isso, a minha mente procurou imediatamente refugiar-se na imagem do monstro que, tão evidentemente, terá sido Eichmann. O burocrata das SS não puxava gatilhos, exacto, era burocrata. O homem limitava-se a preencher os papeis que levaram à concretização do extermínio de mais de 6 milhões de judeus. Era, portanto, tal como alegou em sua própria defesa, parte da engrenagem que fazia funcionar a máquina assassina de Hitler. É claro que era um monstro...ou talvez não fosse. Talvez,como diz a filosofa e escritora HANNAH ARENDT no seu livro A CONDIÇÃO HUMANA, as sombras e a luz de cada homem andem de mãos dadas, lado a lado e, nas circunstâncias certas, to

Santa Páscoa

Imagem
"Pára de rezar e bater no peito! O que quero que faças é que saias pelo mundo e desfrutes da vida. Quero que gozes, cantes, divirtas e aproveites tudo o que fiz para ti. Pára de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e acreditas ser a minha casa! A minha casa são as montanhas, os bosques, os rios, os lagos, as praias, onde vivo e expresso Amor por ti. Pára de me culpar pela tua vida miserável! Eu nunca disse que há algo mau em ti, que és um pecador ou que a tua sexualidade é algo mau. O sexo é um presente que te dei e com o qual podes expressar amor, êxtase, alegria. Assim, não me culpes por tudo o que te fizeram crer. Pára de ler supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo! Se não me podes ler num amanhecer, numa paisagem, no riso dos teus amigos, nos olhos do teu filhinho, não me encontrarás em nenhum livro. Confia em mim e deixe de me dirigir pedidos! Vais dizer-me como fazer o meu trabalho? Pára de ter medo de mim! Eu