Iluminem-se!

Na nossa incursão pela sétima arte, eu e o Rafa descobrimos ontem mais um bom filme, Operação Final, que relata com fiel precisão os acontecimentos à data da captura do ex -oficial das SS, Adolf Eichmann, levada a cabo pela Mossad em 1960.

Depois do filme, falámos sobre ele. Eu sou mais de paixões, o Rafa muito mais racional e, por isso, a minha mente procurou imediatamente refugiar-se na imagem do monstro que, tão evidentemente, terá sido Eichmann. O burocrata das SS não puxava gatilhos, exacto, era burocrata. O homem limitava-se a preencher os papeis que levaram à concretização do extermínio de mais de 6 milhões de judeus. Era, portanto, tal como alegou em sua própria defesa, parte da engrenagem que fazia funcionar a máquina assassina de Hitler. É claro que era um monstro...ou talvez não fosse.

Talvez,como diz a filosofa e escritora HANNAH ARENDT no seu livro A CONDIÇÃO HUMANA, as sombras e a luz de cada homem andem de mãos dadas, lado a lado e, nas circunstâncias certas, todos nós, sem excepção, sejamos incapazes de deter as nossas sombras e, submergidos por elas, nos transformemos na caneta que escreve a mais temível história de horror.

E, nesse pressuposto, cada um de nós que é capaz de amar, incomensuravelmente, cada um dos filhos que colocamos no mundo e até da mais altruísta das acções, também é capaz, se devidamente espevitado, da pior das atrocidades.

Falo nisto hoje, porque é justo, porque é pertinente. Porque vivemos tempos em que muitos, cada vez mais homens, deixam crescer as suas sombras. As sombras que aparecem sob variados disfarces e que vão engolindo a luz que nos protege de um dia sermos Eichmann; Himmler;Hanke ;Heiden; Goebbels, Hitler... e tantos outros, burocratas ou atiradores, engrenagens de uma qualquer máquina assassina.

As sombras que hoje nos engolem têm novas/velhas formas. Têm a velha forma do que é diferente, desconhecido, estranho aos nossos costumes e cultura. São as sombras na forma de muçulmanos, na forma de ciganos, na forma de chineses...ora disfarçadas de terroristas, ora de parasitas, ora de doenças.

As redes sociais enchem-se destas sombras: "morte aos muçulmanos!"; " Vamos castigar os ciganos!"; " Vamos correr com os chineses!".

Tudo sombras, só sombras.

E cada uma destas sombras é um Eichmann, um Himmler; um Hanke; um Heiden; um Goebbels, um Hitler... uma peça na engrenagem de uma máquina assassina que, para se colocar em funcionamento, só está à espera que vocês apaguem as vossas luzes e se deixem engolir pelas vossas sombras. Pensem nisso e iluminem-se.

Ana Kandsmar