Amei-te antes, muito antes de te conhecer
Quando te vi pela primeira vez, limitei-me a comprovar um facto e a reconhecer a evidência do teu corpo, obviamente concebido para encaixar no meu até ao ponto de nada verter entre ambos. Tive vertigens e arrepios, coisa de que não estava à espera, mas que agora até entendo. Nada aprendi que então não soubesse: Antes de nós, andáramos a perder tempo.
Achei-te tão inevitável como primeiro ser dia e depois noite, e quase feio, embora de imediato me tenha apetecido lamber-te a pele morena, muito mais morena do que na primeira fotografia que mostraste, como se fosses chocolate e eu avida por guloseimas.
Ainda sem nada termos dito e já as palavras obsoletas e inoportunas, os preliminares. Tive vontade de uivar, arfar e copular - não necessariamente por esta ordem - logo ali em cima da mesa do bar, com aquela ausência de moral que assiste aos repentes animais, em especial aos que urge satisfazer com barulho e sem qualquer outra razão que não a do formigueiro que nos tortura as camadas subcutâneas. Amei-te, muito antes de saber o que era o amor, o sermos a extensão do corpo de alguém, o sermos de tanta gente ao mesmo tempo que acabamos desmembrados e espalhados aos bocados pelos outros, até não sobrar resto de nós para nos podermos dar à única pessoa que não nos reclama.
Acreditei que podia ler-se a olho nu o meu destino nas linhas da tua mão, e quase podia jurar que em muitas outras vidas havias sido o casulo onde me abriguei e nutri e que em cada metamorfose da vida me reconhecias ao primeiro olhar.
Vivi com esta convicção, a de que acabaríamos juntos e velhinhos, aflitos com dores no corpo, esquecidos dos nossos nomes e enterrados para sempre nas imperfeições do outro. Tu, a amparares-me amorosamente nos meus passos lentos e eu, a massajar-te as costas e a aliviar-te o reumático, numa suave recriminação mútua por não nos termos encontrado antes, como competiria a quaisquer almas que se reclamam gémeas, ambos sabendo que só o meio da vida é pouco, muito pouco, e que já fomos tarde, muito tarde.
Hoje tento recordar-me em que momento da nossa pequena(grande) estória, este laço que parecia indestrutível deixou as pontas soltas até que se desfez impávido.
Hoje não sei que destino se lê nas linhas da tua mão. Mas reparei que nas minhas leio a distância a que nos sentenciámos, um desamor infindo e pardacento. Talvez que ali onde se interceptam a da cabeça e do coração esteja escrito que também nós na nossa cruzada não lográssemos fazer outra coisa que não trucidar o amor para que não enlouquecêssemos a razão e nos fundíssemos a tal ponto, que em qualquer espelho a imagem reflectida jamais voltasse a ser a nossa.
AK
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