Sabes em que momento, em que fracção de tempo, nanomicromili segundo, me colonizaste a órbita ocular e ficaste aí retido para sempre? Eu não sei. Tal como não sei em que vertigem, tremor das minhas mãos no teu tronco perfeito, a tua pele grudou na minha como uma impressão digital, uma queimadura em terceiro grau, tão profunda, que me atingiu os músculos e os ossos e derrapou para as células ao ponto de hoje se confundir com o meu ADN.
Ainda ontem, hoje.… ainda hoje me pergunto que bênção me foste, dádiva de deuses perversos, ocupados na perdição das mulheres, (ou apenas na minha), que logo te fizeram cruz às minhas costas.
 Queria perceber o que te fiz ao certo, para me obrigares a carregar-te pela moínha dos anos como uma penitência amarga. 
Nós dois, tristes remedeios de tanto que não vivemos, somos agora mãos dadas nos paraísos que nos saltam aos olhos em folhetos de viagens, assimétricos como letras escritas à mão, cedendo cada vez mais ao conforto morno da redundância e do silêncio. 
Eu e tu, somos hoje ilhas em continentes inimigos, Diomedes tão perto e tão longe, uma no passado e já outra no futuro. 
Vislumbramo-nos no imo deste estreito que nos aperta, que nos estrangula a vontade um do outro e se faz tão largo nas diferenças que nos separam. São os contornos molhados destes picos de terras solitárias que resolvem resolver-nos. Acentuam ainda mais os rasgões da solidão sibilina na nossa carne triste. Eu, um oceano pacífico onde enxaguo as mágoas e tu, um ártico onde te revoltas em dias de tempestade sem um sol costureiro que te vire os forros da alma magoada pelo avesso e a sacuda até te caírem os bocadinhos de mim que se fizeram lixo e já não te prestam. 
Sinto-me por isso nativa de rosto gasto como as palavras em vão, mas ainda toco música velha de namorados e sorrio às tuas pequenas ondulações de humores que me chegam em garrafas mensageiras de coisa nenhuma.
 Já percebi que hoje não pretendes ser-me mais do que visita guiada de turista enfadado, embora teimes (sei lá eu porquê), em ser ainda um sopro descuidado sobre a minha pele arrepiada e o roteiro dos meus dias inquietos. Mas tu não percebeste ainda que há placas tectónicas que se movem por debaixo dos nossos pés, em surdina (as espertas), e que, de um momento para o outro as ilhas que hoje somos, deixaremos de ser. 
Já não é a primeira vez que nos juntamos como as aves migratórias que se encontram de ano a ano. O que deves perguntar-te, (quando mais ninguém estiver a ouvir), é se mais alguma vez me voltarás a dar à costa com a fidúcia de um náufrago que se afunda nas areias da praia e se eu te voltarei a resgatar desse limbo que permeia a vida e a morte, sem o receio natural de ser também levada pelas marés. 
Acredita: o teu corpo em abandono exige ao meu esse abandono: o dos crentes. 

E para isso, é preciso ter amor. E tenho. 
Mas também é preciso ter... fé.

AK

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