(não) Aprendi a viver sem ti

Aprendi a viver sem ti…. Queria dizer-te. Mas na verdade talvez não tenha ainda aprendido a viver sem ti. Acho até que este caminho (o da tua ausência) é um caminho longo e cheio de curvas e sinuosidades. A tua névoa serpenteia-me o trilho e tolda-me a vista, faz-me tropeçar em bocados teus que a minha bagagem vai soltando. 
Tenho-te nas horas contadas entre uma paragem e outra, como um marcador do tempo, um cronómetro rigoroso e inflexível que me exige atenta às coordenadas e ao compasso certo da caminhada. Por isso, não, não aprendi a viver sem ti. 
Se ainda me mexo é porque me imagino a fazê-lo na tua direcção, mas olho-me, vida à velocidade da luz e não distingo passados e futuros. 
Já não sei onde tu estás. Se atrás de mim ou à minha frente. 
Eu poderia realmente aprender a tua ausência como algo inultrapassável, incontornável, irremediável. Olha, como… como se tu fosses um defeito meu de nascença, uma doença crónica, uma carência vitamínica ou um incómodo sazonal como a alergia dos pólens. Ou, poderia fazer como a minha avó, que me disse um dia, ter vivido durante muitos anos com o fantasma mudo de um parente afastado no seu metro quadrado. Por onde ela andava, ele andava como uma sombra do seu corpo robusto e atarefado entre as lides de uma casa para cinco filhos e as pernas abertas para o meu avô. 
Talvez que viver atrelada a um espectro seja enfim o seu legado. Metade da minha vida vivia-a sem ti, é certo, porque até aí nenhum dos dois se havia dado conta do quanto urgia darmo-nos por fim as mãos. Mas depois disso, tu ficaste comigo, mesmo não estando, e eis-te agora também uma sombra. Um fantasma. Por onde eu ando, tu andas. A diferença entre mim e ela (a minha avó), é que longe de te ignorar, aconchego-te por entre os lençóis polares e acomodo-te por debaixo do meu guarda-chuva. 
Levo-te comigo para todo o lado, como quem leva um guia, um tradutor linguístico ou um acompanhante de luxo. 
Tal como não aprendi a viver sem ti, também não aprendi a desvalorizar os encontros, as coincidências, as datas, sítios, ou nomes. Apanho-me atenta aos sinais, (aos da estrada e aos premonitórios), como a forma de algumas nuvens no céu ou os desenhos que surgem no teu rastro deixado pelo voo tardio das aves. Aprendi sim a redimir as falhas, mais as tuas que as minhas, mas nunca aprendi a esquecer o amor que se evadiu dos teus olhos nem a falta do adeus no último minuto.
Não aprendi ainda a viver sem ti, talvez porque os dias tão cheios da tua ausência correm demasiado depressa e dão-me demais que fazer. Sou eu quem entra na noite aos apalpões ao lado esquerdo da cama para ver se tu lá estás, e sozinha, sou também eu quem sossega o formigueiro que me invade quando se me colas à pele. 
Para além de tudo o resto que me ocupa, ainda preciso que alguém me explique porque é que o telefone não toca, as tuas notícias não chegam e a vida continua. Volto a dizer-to: Eu não aprendi ainda viver sem ti. Há uma, não tive tempo e há duas… já nada é como antigamente, quando facilmente se encontrava um padre exorcista. 


AK
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