Vais ou vens-te?

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Sabes bem que não tenho medo. Não te receio esse ar de fera enraivecida, garras de fora, o rugir que escondes no silêncio que impões entre nós. 
Fica sabendo que não tenho medo. Não me tomes por santa, sou de pau oco. Peace and love não cabem em trincheiras frias, abertas a investidas. Pudor e moral, falham-me no amor e na guerra e não é a religião que me salva. 
Se já te vi um Deus, hoje sou agnóstica, ateia, pernóstica, sou copérnica: circundo-te heliocêntrica, e que se lixem os outros. As outras. A outra. Aquela com quem estás agora. Essa coisa aspirante a delicodoce, peganhenta, que abraças como fazem os políticos às velhas asquerosas, em campanha eleitoral. 
Não receio sequer que não me suportes, que me odeies, que espumes de raiva plos cantos da boca. Já não pode haver dor que me faça soçobrar mais do que isto. 
Tenho dor de corno, dor de burro, de cotovelo. Se até aqui te deixava barco à deriva em alto mar, era porque nos tínhamos porto seguro. 
Não te imaginava refém de um qualquer monstro marinho ao largo do Bojador. Mas se não me acreditas, volto a dizer-to: pudor e moral falham-me no amor e na guerra, e não é a religião que me salva. 
O diabo anda-me no corpo e quando menos esperares, dispo-me de raivas, de distâncias e apareço-te nua para que sejas meu. Vens ou ficas, vais ou vens-te. Estás a ver-me outra vez a colar ao teu corpo como uma segunda pele, enquanto te ofereço o meu em cio? 
Vá, mortifica-te, estás à vontade, o remorso a moer-te madrugada afora, porque, o que é meu está irremediavelmente em ti e nem mil duches te salvam, nem esfregado a pedra pomes, a pele numa chaga viva. 
Fica sabendo que não hesito; surpreendo-te. Provoco-te. Bato-te o pé e digo-te que me atrevo. Vais ver a quantas andas. 
És-me tão difícil quanto inesperado; mas eu sou-te a incoerência, a incongruência, a vida vista de baixo para cima. 
Sou-te o dueto entre a raiva e a meiguice, entre o amor e o ódio, a frieza e o desejo. E tu és-me a investida cega do herói solitário. 
Às vezes de noite quando finjo que sossego, amo-te. Também te amo em certos momentos do dia e chega a haver alturas em que me despenho do alto da paixão que me queima e caio nos intervalos em que te esqueço. 
Quero apoderar-me de ti e falar com esse sotaque que enfiarás sem querer na minha boca, empurrando-o com a tua língua. Quero-te perto, nas imediações, não me interessa se agora não dá. Tens razão: sou menina, mimada, e quero-te agora, já, a fazer a trouxa e a vires de malas aviadas porque … já não me aguento sem ti. Já não me suporto o vazio da tua falta nem as dores dos meus ciumes. 
Rendo-me por fim ao egoísmo de te querer só para mim, porque agora sei-te capaz de pertenceres a alguém. 
Sim, sou egoísta. Sou esporádica, sou imódica, e às vezes até asmática. Falta-me o ar quando me ignoras e é por isso que preciso que mo dês quando me beijas. 

AK

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