O Espirito de Natal de uma Super-Hiper-Mega-Mãe-Parvalhona
Adoro o Natal. Isto das luzes, os brilhos, o quentinho da casa a contrastar com as temperaturas siberianas da rua é consolador. E por isso, mal chegamos a novembro e já andam os miúdos a perguntar quando é que começamos com as decorações que são a melhor forma de celebração do espírito da família, e que as ruas da cidade já piscam por todos os lados… blábláblá…Começamos mal entra dezembro.
Imbuídos daquele espírito maravilhoso de sermos um nichozinho familiar fortificado pelo amor, pela alegria e por outras utopias que tais, toca de enviar o entusiasmo inicial à garagem e mandá-lo trazer as caixas todas para cima.
A princípio, a malta ajuda e participa: pega daqui, escorrega dali, empurra dacolá, se preciso for até ao infinito e mais além.
Ao entrarmos em casa, já estamos mais mortos que vivos que os lances de escadas são três e não há elevador.
Colo a cuspo (e muito latim) as vontades que começam a dispersar-se ao primeiro trim-trim do telemóvel que chama a Mariana para um café com a amiga que já não vê há uma eternidade! (desde ontem), e o chat no Facebook que desafia o Rafa para uma conversa muitooooo importante sobre o estado da nação (que ele pode ter dali a 1 hora ou 1 mês, que o estado da nação continua o mesmo).
Ora bem, abrir as ramagens de uma árvore de natal de metro e setenta com a consistência de um abeto adulto dos apeninos, é tarefa, no mínimo, chata como a potassa: raminho a raminho, abre e puxa, abre e puxa, até ficar tudo redondinho e com o formato devido, que é parecer o mais natural possível. Por esta altura, quase sempre valores mais altos se levantam, normalmente, uns providenciais trabalhos para a faculdade, ou compromissos inadiáveis no circuito Pool- Berska- Stradivárius, que isto de centros comerciais é preciso monitorizar os modelitos que entram e saem, não vá aquele casaco castanho lindo de morrer, o ÚNICO da loja e de um Portugal inteiro, desaparecer nas mãos da primeira pita dondoca vampiresca que consegue sacar aos pais o equivalente ao meu salário para o comprar, e lá me desaparecem eles para os respectivos afazeres importantíssimos, de última hora. Quando acham que aqui a moira já abriu e puxou todos os fucking raminhos da puta da arvorezinha, aparecem alegremente na sala, de volta ao convívio natalício-familiar.
Então e agora, mãe? Agora é pôr as luzes, mas primeiro temos de as desenrolar.
E lá está: desenrolar as luzes (mal enroladas e à pressa no fim do Natal anterior) é uma graaaande chatice. As lâmpadas prendem-se umas nas outras, metade delas estão partidas e eu nunca me lembro de as ligar antes de as enrolar na árvore; depois, quando constato que estão fundidas, fico fodida porque tenho que as desenrolar, e a minha língua também se desenrola em meia dúzia de asneiras, pouco condizentes com a quadra e com o momento, que se quer de alegria e paz. Ultrapassado o pseudo-drama da iluminação, chega a altura dos enfeites. A Mariana apruma-se então na decoração da árvore enquanto o Rafa mantém os olhos pregados ao computador, não vá uma de nós apanhá-lo a olhar de esguelha e convidá-lo para trabalhar.
Por esta altura, já a minha adorável filha esgotou o léxico de injúrias e ameaças ao irmão, porque nunca ajudas e tenho que ser sempre eu a ajudar, já ele devolveu os “elogios” com redobrada “simpatia”, já eu começo a ter palpitações e falta de ar, levada pela impaciência e pela raiva até que os expulso dali para fora e com indisfarçável alívio, acabo por fazer em agradável solidão o que era suposto fazermos os três. À data a que escrevo isto, já a árvore dançarinou pelos cantos da sala uma três vezes, obedecendo às superiores indicações (quais policias sinaleiros) dos putos maravilha. À data a que escrevo isto doem-me as costas, ou andar quase de cócoras a puxá-la 10cm de cada vez para não se escangalhar toda, não fosse um verdadeiro teste à minha resistência física.
Nos dias seguintes, como para tudo o que dá trabalho nesta casa, prevalece unanimemente a versão oficial: foram eles que alancaram com as caixas escadas acima, foram eles que montaram a árvore, foram eles que a enfeitaram e foram eles tudo o resto. Eu, basicamente, ter-me-ei limitado a supervisionar a operação. Ou nem isso: se formos a ver bem, nem lá estive!
Tenho dias em que a sensação de ser uma super-hiper-mega-mãe-parvalhona agrava-se. Tenho dito.
AK
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