A 11/11/1918 o Armistício

Foi há 100 anos. A 11/11/1918 o Armistício punha fim à guerra que, supostamente, deveria acabar com todas as guerras.



Fevereiro/1915
RECORD:

“A ala destinada aos soldados com tifo não era melhor. As náuseas, os vómitos e a diarreia levavam os homens à perda de peso e à desidratação. Ao longo de vários dias, o meu trabalho fora obrigá-los a raspar a barba e o cabelo.
As pulgas e os piolhos eram transportadores da infeção. Abrigados em trincheiras, os soldados enfrentavam também a doença, um inimigo sem rosto. O inferno era ali. A chuva
caia incessantemente, a lama, os parasitas e os ratos faziam parte do cenário. Os homens olhavam a face da morte. Eu olhava a face da morte. O tifo e a febre quintana, a febre das trincheiras, fazia-os tombar, quando não eram os tiros e os gases venenosos que os tombavam. Batalhões inteiros lutavam contra o surto da doença, que ao início apresentava
sinais de uma simples indisposição, mas que as dores de cabeça, as febres e as diarreias, os vómitos, rapidamente se agravavam, deixando-os desidratados, fracos, sem força sequer para respirar. Nas maçãs do rosto, manchas inicialmente acobreadas iam escurecendo e avisavam de que a cianose se estenderia em breve por todo o corpo, e não mais seria possível distinguir um homem branco de um homem negro.


A morte chegava em poucas horas, trazida muitas vezes pela falta de ar, pelo sufoco. Eu podia ver como rapidamente um, dois ou vinte homens morriam, pobres-diabos abatidos como moscas por inimigos cobardes que avançavam silenciosos.

Carregava incessantemente com bacias de água para cá e para lá, depois de a ferver sobre a lenha, e apertava membros quase desfeitos com garrotes de borracha para estancar

hemorragias. 
O som dos serrotes que amputavam membros, sem misericórdia, um “raf-raf” constante e ensurdecedor, o som do metal dentado a cortar o osso, era abafado pelos gritos dos homens que se entregavam àquela carnificina sem anestesia.

O sangue, em esguichos vermelhos-vivos sobre o meu avental que jamais voltaria a ser branco, sobre o meu rosto, que se contraia e empalidecia, lembrava-me as matanças dos porcos em Scarborough, aquele hediondo espetáculo de horror que juntava vizinhos e amigos numa celebração à qual eu procurava fugir. Não podia fugir agora. A todas as solicitações eu respondia, não sabia se preparada, que ninguém se prepara para o dantesco, mas aguentava-me, estoicamente, às vezes com o vómito à boca, o esgar do nojo a tomar conta de mim, e então cerrava os olhos, apertava o pano à volta do rosto, a máscara improvisada que me deixava só os olhos a descoberto, e ia, convicta de que ao menos ali,
saberia valorizar a vida de Sam, uma vida que podia, (quem o poderia dizer?), já não respirar sobre a terra. «Ouve só. Parou de resfolgar. Fulano morreu. Sicrano morreu», (diziam-me). Aquilo, dito assim, parecia-me quase uma banalidade, como
se a morte não fosse mais do que um suspiro. Suspira-se, falece-se e pronto."

A Lenda do Havn



"Sam começou então a assobiar uma música, uma música que ele me dissera dias antes, ter ouvido entre os seus homens da Armada. Uma música que eles haviam cantarolado durante

a defesa das Falkland, e por tantas vezes, outros homens nas trincheiras. It’s A Long, Long Way To Tipperary saía-lhe sibilante dos lábios e não se parecia em nada com o hino à
coragem dos soldados, que a voz de Jack Judge queria fazer parecer." 

A Lenda do Havn- Ana Kandsmar





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