Agustina


No meu 9º ano os colegas de turma chamavam-me Agustina. Por duas ou três vezes levaram-me às lágrimas. Não o considerava um elogio e não era. Aquele “Agustina” saia sempre com um desdém que me batia como se um azorrague nas costas de Cristo. Feria-me e desorientava-me. Sobretudo, entristecia-me porque eu não queria ser gozada por gostar de escrever, e não queria que a Agustina, de quem eu já gostava tanto, fosse gozada graças a mim. 
Se os meus colegas do 9º ano alguma vez tivessem lido Agustina, saberiam que chamar-me tal nome embaraçava, sobretudo, a Agustina. 
Se tivessem alguma vez lido Agustina, compreenderiam a injustiça, a quase blasfémia da comparação. Nada do que eu escrevia na altura, e até mesmo o que escrevo hoje, se pode comparar ao que escreveu Agustina.
 É uma pena que tão poucos a tenham lido. 
É uma pena que aqueles que tentaram insultar-me, chamando-me Agustina, nunca tenham percebido que aos aprendizes não se dá a pele dos mestres, mas pode acutilar-lhes o vício ou, bem comparado, o ofício. E é, sobretudo, uma enorme pena, que eu não possa hoje entrar numa cápsula do tempo, voltar aos meus dias de estudante, particularmente àquele 9º ano, para sentir finalmente o que devia ter sentido então: Orgulho. Porque Agustina, que só uma haverá para todo o sempre, ainda a trago colada à pele e é quando, -precisamente- escrevo, que a carrego. 
Que eu seja, pois, capaz de a honrar em cada fiada de palavras saídas da minha pena, e que ela, nesse lugar para onde foi hoje, me seja uma candeia a iluminar todas as linhas da minha escrita, todos os trechos do meu caminho. E do amor pelas palavras que era nosso, dela e meu, quem sabe um dia nasça alguma coisa poderosa e bonita, verdadeiramente poderosa e bonita, alguma coisa que leve a alguém a chamar-me, outra vez, Agustina.

Ana Kandsmar

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