Ainda ontem...

Amanhã jantaremos juntos. Amanhã o dia será pleno de abraços, os nossos, e beijos, como quando eras pequeno e tos dava em catadupa, repenicados nas tuas bochechas. 

Hoje disse-to, são 25 anos. 25 anos significam que a parte mais lenta da tua vida, aquela em que te pareceu que os dias eram semanas e as semanas eram meses, já passaram. 
Agora os dias já te parecem ter apenas 18 ou 20 horas em vez das 24 que sabemos que tem, e o tempo não te chega para tudo o que queres fazer. 
São 25 anos, filho. E é claro que me desassossega um nervoso miudinho, aquele nervoso que só entende uma mãe que vê os filhos à entrada da estreita porta para novos voos. Cabeça e coração feitos loucos, porque isto de se trazer à vida pessoas que serão independentes de nós, é tanta responsabilidade, tanta poesia e loucura em simultâneo que entendo bem quem disse que de poetas e de loucos todos temos um pouco. 

Quanto te falo da rapidez com que a vida passa por nós, ou nós passamos pela vida, falo-te de ontem, porque ainda ontem choravas com fome e com cólicas, ou era uma birra porque a sopa não te agradava ou porque querias aquele Titanic novo para a tua colecção de barcos. Ainda ontem eram as descobertas e a infinidade de porquês “porque é que as casas têm chaminés, mãe?” e a Maura, o teu primeiro amor, “gosto tanto dela, mãe”, e o António e o Gonçalo, os teus melhores amigos de infância que te seguiam como se fosses um Ché, um líder de uma rebelião sem bandeira, e subias às árvores, sempre de coroa sobre a cabeça, qual Rei a ascender ao trono inflamando as ovações dos súbditos com eloquentes discursos. 

Ainda ontem eram as longas caminhadas para as aulas, e aquele grupo de miúdos de etnia cigana que te roubaram a mochila e o dinheiro que levavas para o lanche, os professores que me chamavam para me congratular “é tão educado e inteligente, o seu filho!” e eu a sair de lá a babar-me como uma alpaca, inchada de orgulho e de amor, com a sensação mais gratificante do mundo “estou a fazer um bom trabalho!”. 
Ainda ontem eram as médias de entrada para a faculdade “que são altas”, e a minha eterna preocupação, que aos meus olhos ainda mal sabias andar, e eu, cá no fundo, no fundo do meu coração, que é um coração um bocadinho egoísta, queria-te era na cresce a vida toda, com os teus bibes axedrezados e o teu nome (Rafael) bordado, por mim, a ponto de cruz. Ainda ontem me eras um pequenote de bracinhos erguidos em volta do meu pescoço… e a tua voz de criança num palavreado que só nós dois entendíamos…o “kikaki” lembras-te?
 Foi ontem…gosto tanto do nosso ontem, de todos os "ontem" que vivemos juntos! Perdoa-me por ser assim, quase estúpida de tão nervosa, preocupada, babada, ansiosa, fanática, mas foste tu, tu e a tua irmã que me fizeram assim. 
“Ontem” festejámos juntos todas as tuas vitórias, de sorrisos escancarados e lacrimejámos, por vezes, um episódio ou outro menos afortunado. “Ontem” acreditámos que, só por magia, haveríamos de chegar ao hoje porque tu e eu somos, afinal, seres mágicos, eternos alquimistas, capazes de transformar as tristezas em alegrias, as dificuldades em oportunidades, as dores em crescimento. 
Ainda acreditamos que, só por magia, estaremos juntos em muitos amanhãs e celebraremos a vida exactamente como a encontrarmos, com caminhos bifurcados, degraus que nos parecerão intransponíveis, nevoeiros que nos toldarão a vista, cercas que nos parecerão fechadas a cadeado. Mas cá estaremos, um para o outro, andando - passo a passo-, subindo o que houver para subir, desmatando caminhos cerrados, escolhendo esta ou aquela direcção, limpando olhos com mãos cansadas, mas resilientes, esperançosas, determinadas. 

Ontem, foi o teu percurso até hoje. De hoje em diante, terás um itinerário diferente, só por tua conta, mas lembra-te que nunca estarás sozinho. Na vereda contígua à tua, estarei eu, que nunca te largo, e terás a minha mão logo que estiques o teu braço. Amanhã, brindaremos com copos cheios de orgulho e cairemos em abraços e beijos, como quando eras pequeno e tos dava em catadupa, repenicados nas tuas bochechas. “Ontem” éramos felizes. Hoje somos felizes. Amanhã seremos mais. 
Ocupa-te de muitas coisas, ocupa-te do quanto quiseres, mas nunca te esqueças de ser feliz. Parabéns, meu filho.

Ana Kandsmar




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