Uma história real
Somos de aldeias vizinhas. Estudámos juntas. A Teresa era a menina "bem", a betinha.
Os pais da Teresa tinham dinheiro, ao contrário dos meus que ganhavam para o dia a dia.
A Teresa vestia bem, roupas sempre novas e sempre na moda, ao contrário de mim que vestia roupa dada, coçada e sem estilo.
A Teresa tinha pais que lhe faziam todas as vontades e que a tratavam como a sua princesa, ao contrário de mim que tinha pais focados na sobrevivência e dedicavam aos filhos apenas o tempo suficiente para uma educação rígida e pouco dada a manifestações de carinho. A Teresa passava os tempos livres com as amigas, passeava muito, ao contrário de mim que trabalhava para ajudar os meus pais.
A Teresa tinha sempre notas medíocres e os pais pagam-lhe explicações para várias disciplinas, ao contrário de mim que tinha boas notas e nunca graças a explicadores. A Teresa tinha presentes quando passava de ano, ao contrário de mim que apenas recebia dos meus pais um comentário seco: " Não fazes mais que a tua obrigação".
Findo o nosso 12º ano, a Teresa ingressou na Universidade de Coimbra e foi tirar Direito, ao contrário de mim, que fui trabalhar e só muito mais tarde entrei no Cenjor.
A Teresa apaixonou-se na faculdade por um colega que lhe apresentou as drogas, ao contrário de mim que me apaixonei por um tipo, apesar de tudo, decente.
A Teresa abandonou a faculdade, cortou relações com a família e entregou-se à vida fácil das festas e dos estupefacientes, ao contrário de mim que engravidei do meu primeiro filho e tinha uma vida familiar estável.
A Teresa também engravidou do primeiro filho. Nessa altura, já ela morava na rua e entregou o filho para a adopção, ao contrário de mim que tinha condições para cuidar do meu. A Teresa começou a arrumar carros na rua e a prostituir-se, ao contrário de mim, que seguia com a minha vida dentro do "padrão", um emprego, uma casa, uma família.
A Teresa engravidou mais 4 vezes. No último parto, fugiu do hospital e deixou o filho para trás. Eu engravidei uma segunda vez e pude dedicar-me aos meus filhos.
Os pais da Teresa recuperaram dois netos de quem ainda hoje cuidam. Os outros, continuam com famílias adoptivas e a Teresa não sabe onde nem com quem, ao contrário de mim que tenho nos meus filhos os meus pilares, a razão maior da minha existência.
A última vez que vi a Teresa, ela arrumava carros num parque da minha cidade.
Estava velha, abatida, desfigurada pelo consumo de drogas.
Eu e a Teresa nunca tivemos nada em comum, mas ela teve um melhor começo, quem diria que teria um pior fim?
É isto a vida. Uma panóplia de boas e más escolhas que fazem de nós quem somos.
Ana Kandsmar
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