Pietá
Vi-te um Atlas que, acabado o tempo de colher as maçãs de ouro, segurou o céu sobre os seus ombros, e tu seguras agora o céu sobre os teus ombros. Como Atlas, arrastando os passos, deixaste um rasto de silêncio, o silêncio da noite mais densa. Mas eu ouvi o teu silêncio e sei dos gritos de dor feroz que o teu silêncio esconde. A tua dor, a dor da mãe que perde o seu filho, é uma dor que vem sempre do mais fundo dos abismos e ecoa no recanto mais distante do universo. Não há dor que seja capaz de perfurar a dureza das rochas e a tua é. Sabias lá o que era dor antes de te doer cada célula no teu corpo…sabias lá que amar infinitamente um ser que se traz à vida pode devolver-nos a sua infinidade em agonia… Sabias lá que nesse lado oculto do Amor se esconde o mais perverso dos martírios…
Que ninguém te toque agora, que não suporta toque algum todo o teu corpo em chaga. E eu que queria tanto abraçar-te, mas sei que não posso! Que ninguém te fale agora, que nenhuma palavra é a certa. Reduzem-se a uma só linha de míseras e insignificantes palavras um dicionário inteiro. Ninguém alguma vez inventou um vocabulário que adormeça a tua dor… sei-me agora tão má com as palavras...Anos e anos a usá-las para tantos fins e chega o dia em que não sei o que dizer-te.
Basta, talvez, que te diga que também te vi Maria, a cruel e abissal Pietá. Não vês também ali poesia? Quando por mim passou a tua alma rasgada, sobressaindo a roupa que vestias, e as sombras mais tenebrosas atravessando o rio dos teus olhos, vi-te a mãe de todas as mães carregando o filho de todos os filhos. E ainda que seja tão pouco, não me ocorre mais que dizer-to, e tu sabes…ser Maria é muito e, se calhar…é tudo.
Ana Kandsmar
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