Obrigada, obrigada, adeus até à próxima!

Eu sabia que não seria para sempre. 

Sabia que esse teu esgar de cão raivoso se dissiparia ante uma recordação ou outra que te viesse à memória, mal a rotina e o ramerrão dos dias te aborrecessem de morte. O teu ódio, a tua raiva, essa coisa que te arde no peito e te faz cuspir-me ofensas e impropérios é só uma máscara para o amor que me tens e a manta com que tentas tapar a frustração de me teres a milhas 

Eu sabia que acabarias por mendigar. O teu prazo, esse limite de tempo em que consegues respirar sem que me faças o teu suporte de vida, é sempre curto, muito curto, mais longo do que eu desejaria, é certo, mas infinitamente mais curto do que me prometes quando te afastas. 

Houve um tempo em que aguentavas um mês, dois vá… fingindo que eu não existo. Desta vez resististe mais. Bateste o teu record, qual nadador que supera o seu tempo a respirar debaixo de água e orgulhosamente é digno do Guiness. Lembraste-te então de que tudo em mim é genuíno e o teu sentimento ampulheta que te permite ignorar-me a prazo, desintoxicou-te dos teus extremos, do teu drama, da tua maneira enviesada e teatral de olhar as coisas… Talvez, mas não te iludas. Continuas a irritar-me a um ponto que a única solução é esqueceres-me, tal como eu te esqueci. Tal como eu te esqueci tantas vezes.

Foi sempre esse o nosso mal, não foi? Tu e eu, passámos os últimos…15 anos a esquecermo-nos um do outro. Às vezes até o fazemos sem esforço. Ao princípio sentimo-nos livres, leves, quase felizes. O nosso único engano é achar que é para sempre, que desta vez é nunca mais. 

Devíamos saber melhor, porque há anos que nos esquecemos e depois nos precisamos, num loop temporal digno de um Stargate. Não que andemos a contar os dias. O nosso precisar é uma emboscada de que mal nos damos conta. Uns minutos nos primeiros dias, depois uma hora ou duas a lembrarmo-nos mutuamente, não que o façamos em simultâneo, ou pelo menos nem sempre concomitantemente…nem sempre, e então, depois, o purgar. Tentamos, em vão, purificarmo-nos das coisas que nos dissemos, do quanto somos capazes de nos tirar do sério, do ódio fervoroso e visceral que nos sentimos, da urgência de nos vermos pelas costas antes que a loucura nos vença, nos domine e nos leve por caminhos que não nos trarão volta. E ainda assim, o que nos intriga para lá da conta é esta coisa de nos sabermos certos, de estarmos ligados como dois telefones sem fios que emitem sinais, frequências sonoras que só nós dois percebemos, como ondas que enviamos de um para o outro e são recebidas sem espanto nem temor…é afinal tão natural esta sequência de vibratos, a trepidação das nossas vozes, a minha nos teus ouvidos e a tua nos meus… como acordes melódicos que conhecemos de cor e que sabemos, sem sabermos como o sabemos, que somos afinal nós, nós mesmos a gritar, em cantos opostos do mundo, pelo nome um do outro. 

Tarda nada, e tudo volta a ser bom em nós. Muito bom. Tarda nada e tudo volta a ser uma saudade que corrói e nos empurra aos tropeções para os braços um do outro. Tarda nada e basta-nos uma futilidade, que descambamos na tragédia. 

Dizem-me que é do sexo, do sexo que só somos capazes de ter um com o outro, com mais ninguém, que é desse sexo que sentimos falta, que isto não é amor. Há de ser qualquer coisa porque ao sexo rejeito-o sem tacto e desprezo num tom jocoso a tua fervorosa tesão. Repugna-me a febre com que me comes, como se amanhã eu deixasse de existir, ou o meu corpo estivesse para, a breve prazo, diluir-se com as primeiras chuvas. 

Quando se te finda esse teu prazo de validade, a validade do teu ódio e desprezo por mim, falas-me baixinho, a medo, numa tentativa inútil de manteres segura a doida que te calhou amar, antes de nos desequilibrarmos no arame em que nos sustemos, e nos esbardalharmos em qualquer sitio que possamos tornar cama. Um sítio onde dois corpos possam rebolar sem apelo nem agravo. Não, nem tem que ser uma cama. Qualquer pedaço de chão nos serve para nos sugarmos mutuamente, como vampiros que saem à noite em busca de sangue. É no que dá gesticular demais quando estamos lá em cima. E vai então que regressas à minha vida sem o saberes. Não é que ver-te me acalme ou me adoce. 

Os nossos reencontros, que começam quase sempre frios e anódinos como meros conhecidos que se devem algo, raramente me provocam - de súbito - a vontade de te tocar ou de aprofundar o que nos separa e depois nos junta. Às vezes, até evito olhar-te como se tivesse vergonha de não te querer mais, e eu nunca tenho vergonha de nada. Mas quando bate o ponto, quando é a lua que se vê brilhante e redonda no negrume do céu; ou quando me apronto a olhar as estrelas cadentes; quando o lobo uiva ao longe e me é trazido pelas ventanias; ou quando os planetas se alinham, Júpiter e Vénus - o Amor e a Guerra- preciso de ti como do pão para a boca, mesmo que ao ver-te fique sem fome. Nem precisas de fazer algo, basta a tua ânsia infantil de estares comigo e o paradoxo de saberes que isto nunca dará em nada. Isso e as tuas desagradáveis implosões perante esse fardo que carregas há anos, admito. 

Não sei o que me prende nem o que me afasta, mas sei que há um passo de dança desastrado entre os dois, uma mímica descoordenada, que acaba inevitavelmente com cada um a sair por lados opostos do palco, obrigada, obrigada, adeus até à próxima.

Ana Kandsmar





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